O empresário Jorge Gerdau acha que o Brasil precisa "trabalhar com meia
dúzia de ministérios ou coisa desse tipo" e não com as 39 pastas
existentes na administração da presidente Dilma Rousseff.
Esse inchaço se dá por contingências políticas, mas "tudo tem o seu
limite", diz o presidente da Câmara de Políticas de Gestão da
Presidência da República. Em entrevista ao Poder e Política, projeto da Folha
e do UOL, na última terça-feira, ele completou: "Quando a burrice, ou a
loucura, ou a irresponsabilidade vai muito longe, de repente, sai um
saneamento. Nós provavelmente estamos no limite desse período".
Trechos da entrevista com Jorge Gerdau - 7 vídeos
Apesar da frase quase beligerante, Gerdau disse conversar sobre esse
assunto com a presidente da República, a quem elogia. "Eu já dei um
toque na presidenta" e ela está "totalmente ciente" do que se passa,
declara.
"Dentro da estrutura brasileira, o conceito de política atrapalha
bastante a gestão. Mas... [pausa] a gente tem que encontrar os caminhos
dentro das realidades que cada país tem", afirmou o empresário em uma
de suas raras entrevistas.
Embora enxergue avanços na gestão do país, suas previsões são de
longo prazo. "Para deixar o país com planejamento competitivo em todas
as frentes" um prazo de "dez anos é pouco".
Um exemplo de como Gerdau avalia hoje a administração pública
federal: "No Brasil, só tem quatro ou cinco instituições em que a
estrutura de meritocracia e profissionalismo funcionam: Banco do
Brasil, Banco Central, Itamaraty e Exército. Tem ainda o BNDES também".
Entre os resultados de seu trabalho voluntário no governo federal,
Gerdau cita "pequenas coisas". Por exemplo, a capacidade de atendimento
no aeroporto de Guarulhos: cerca de 900 passageiros por hora em 2011 e
1.500 agora.
A seguir, trechos da entrevista:
Folha/UOL - Há quase dois anos à frente da Câmara de Políticas de Gestão, o que foi possível avançar?
Jorge Gerdau - O trabalho mais pesado que nós fizemos foi na
Casa Civil. Com o PAC, que era uma estrutura que trabalhava dentro da
Casa Civil. Foi para o Ministério do Planejamento. Foi necessário fazer
uma reorganização para dar condições de administração para que a
presidente possa acompanhar todos os projetos. Fez-se toda uma
estrutura de informática.
Avançamos em várias coisas. No Ministério da Saúde, na área de
logística, compra de remédios etc. Trabalhamos fortemente no Ministério
dos Transportes.
Tem algum resultado objetivo?
Essa área de logística. [O Ministério da Saúde] tinha uma capacidade
de atendimento de 40% da demanda. Até junho, nós vamos atingir um ritmo
de atendimento de 80%. É um avanço concreto em benefício da população.
Outro exemplo prático foi em Guarulhos. O aeroporto tinha uma
capacidade de atendimento de 900 pessoas por hora. De 2011 para 2012,
nós conseguimos atingir um número próximo a 1.500 por hora. O que foi?
Pequenas coisas. Ampliar o número de balcões, o atendimento dos
passaportes e do controle da bagagem. Pequenas mudanças no layout.
Coisas simples.
Apesar de avanços pontuais, dá impressão de que a máquina pública empaca ou anda sozinha. O sr. se frustra?
Não digo que tenha frustração, mas tive que desenvolver uma
paciência que, historicamente, eu não tinha. As coisas vão, muitas
vezes, mais devagar. Mas avançam.
O sr. diria que a política atrapalha a gestão?
[longa pausa] Dentro da estrutura brasileira, o conceito de política
atrapalha bastante a gestão. Mas... [pausa] a gente tem que encontrar
os caminhos dentro das realidades que cada país tem.
A política faz com que as tecnologias e a profissionalização das
gestões da administração sejam insuficientes e insatisfatórias. Você
tem que separar os três níveis: as funções e interesses de Estado, as
de governo e de administração. País civilizado troca de ministro e muda
duas, três pessoas de relação pessoal. A administração não muda. A
estrutura de governança pode ter modificações de decisão política. Muda
o partido, a cabeça do líder. Mas, no Brasil, só tem quatro ou cinco
instituições em que essa estrutura de meritocracia e profissionalismo
funcionam.
Quais são elas?
Banco do Brasil, Banco Central, Itamaraty e Exército. Tem ainda o
BNDES. São órgãos que você vê funcionarem. Lógico que a direção desses
organismos obedece a uma orientação política. Mas elas são
profissionalizadas. O sistema privado todo trabalha em cima da
meritocracia. As promoções são feitas por avaliações de competência.
Isso é um passo que o Brasil ainda tem que atingir.
O Brasil acaba de ganhar, agora, o seu 39º ministério. O Brasil precisa ter 39 ministérios?
Não. Deveria trabalhar com meia dúzia de ministérios. Fazer um
agrupamento de ministérios. Agora, na realidade, por contingência das
estruturas políticas que você tem... Eu não sei quantos partidos nós
temos hoje. A cada meio ano vem mais um. A cada composição dessas,
novamente tem que ajeitar um ministério. Novamente falta o conceitual
básico de que as decisões políticas tem que existir, mas a estrutura
gerencial tem que ter estruturas administrativas. Esse fenômeno de ter
esse número de partidos é consequência da estrutura política partidária
que nós temos.
O número de ministérios...
O número de partidos faz com que eu tenha um ministério ou dois,
conforme o número de partidos. Fica dividindo o bolo não por conceitos
administrativos, mas por conceitos políticos.
O número de partidos vai aumentar. É uma lógica perversa. A gente vai acabar tendo cada vez mais ministérios?
É. Eu diria o seguinte: tudo tem o seu limite. Quando a burrice, ou
a loucura, ou a irresponsabilidade vai muito longe, de repente, sai um
saneamento. Nós provavelmente estamos no limite desse período.
Do jeito que está hoje, a presidente teria poder para reduzir o número de ministérios?
Poder, tem. Mas como o número de partidos vai crescendo cada vez
mais, é quase impossível. O que a presidenta faz? Ela trabalha com meia
dúzia de ministérios realmente chave. O resto é um processo que anda
com delegações de menos peso.
A administração pública federal tem, mais ou menos, 20 mil cargos de confiança. É excessivo?
Absolutamente excessivo. Dentro do esquema que eu falei: funções de
Estado, de governo e o resto seriam administrações estruturadas, com
carreira, com meritocracia. Você deveria ter meia dúzia de cargos de
confiança por ministério. O resto tem que ser de carreira.
O sr. fala isso para a presidente? Como ela reage?
Eu já dei um toque na presidenta sobre esse tema. A presidenta me deu a explicação que dei para vocês.
Que ela fica premida pela situação política?
Que a estrutura hoje é essa e tem que gerir nesses termos.
Causa angústia?
Ah, totalmente. Lógico. Mas eu tenho convicções de que esse processo
de maturação tecnológica é um trabalho de anos. O governo federal tem
todas as condições para avançar. O trabalho talvez mais interessante
que nós estamos fazendo é estruturar em todos os ministérios o mapa
estratégico.
O que seria isso?
Um processo desenvolvido em Harvard. Definir as metas principais
sobre a visão estratégica. Depois, uma visão financeira. E depois uma
visão de processo e de recursos humanos. Você faz uma definição clara
da missão daquela organização. É um instrumento para que todo mundo que
trabalha naquele ministério entenda para que esse ministério existe,
quais são as metas.
O Brasil está com o mercado de trabalho superaquecido. Os salários pressionam. Como o país achará uma saída para esse quadro?
Buscar soluções de produtividade. No Brasil há um tema que é a
não-competitividade do produto brasileiro e outro que é a análise da
produtividade. São duas coisas que deveriam ser analisadas
separadamente.
Eu tenho áreas na Gerdau com patamares de produtividade homem-hora
semelhantes aos melhores do mundo. Agora, se eu tomar o que um operário
no Brasil tem sobre o que ele leva líquido para a casa... Ele tem mais
de 100% de baixo para cima. Outros países não têm. No Chile, por
exemplo, um operário leva quase 85% para a casa daquilo que ele custa.
Custa para a empresa?
Para a empresa. Nos Estados Unidos os custos adicionais são
extremamente pequenos. Poucos países usam a folha de pagamento como
instrumento arrecadatório. O certo seria que a relação contratual entre
a empresa e empregado se vinculasse apenas naquilo que é a relação de
trabalho.
O sr. está dizendo que sem reforma trabalhista o país não sai desse labirinto?
Desse labirinto da não competitividade.
Não há mais o que fazer na gestão?
Na gestão tem o que fazer. Mas tem outros temas. Um é a educação, um fator decisivo na busca por produtividade.
Nas boas empresas só entra gente educada. Mas a produtividade
acontece no chão de uma pequena atividade. Da capacidade de uma caixa
saber fazer rapidamente as contas. Coisas desse tipo. Eu tenho um amigo
meu que diz assim: 'Pega uma garçonete lá na Alemanha e vê a
produtividade. Ela leva o dinheiro no bolso [e faz as contas e o troco
na hora]'. A soma dessas coisas é que faz a produtividade. Isso atinge
toda a cadeia.
A presidente Dilma é ciente desses problemas?
Totalmente ciente.
Mas a presidente e o PT já estão há dez 10 anos no poder. Não foi tempo suficiente?
São perfis completamente diferentes da visão de liderança.
Mas ela foi chefe da Casa Civil em grande parte do governo anterior...
Mas como chefe de Casa Civil ela procurou organizar o PAC. Um
instrumento importante para botar controle no que se investe no país.
Mas isso não quer dizer que você conseguisse eficiência operacional em
todos os ministérios.
Quanto tempo o sr. acha que nesse ritmo a presidente Dilma colherá resultados muito concretos?
Cada ano, cada dia, avança um pouco. Mas, para deixar o país com
planejamento competitivo em todas as frentes, eu acho que dez anos é
pouco.
Pouco?
Pouco.
Vinte anos?
Vinte talvez seja muito.
O empresário Jorge Gerdau concede entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues